segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Músicas Picantes e Trovas Alegres (Parte 1)

Engana-se quem pensa que nos tempos de nossas bisavós todos eram totalmente quietinhos e/ou inocentes.


Confira a segunda parte deste post: http://zip.net/bftjV6



Com certeza havia rígidas regras sociais, uma inocência e romantismo envolvendo o ambiente, mas, também havia lugar para as idéias maliciosas, picantes, onde o sexo, conotações sexuais, ou personagens sexualizados sempre eram as figuras principais, mesmo que envoltos em versos e estrofes recheadas de palavras e expressões acima de qualquer suspeita.

Cantadas no Teatro de Revista ou nos Cafés-Concerto (ou Chopes Berrantes), elas faziam a delícia do público. A partir de 1902, começaram a ser gravadas em discos, às vezes vindo com a denominação de trovas alegres. Os melhores e mais famosos astros gravaram essas músicas, inclusive as mulheres. Pra mim, é um exemplo de emancipação e igualdade, em uma época dominada pela figura masculina, termos Pepa Delgado, Nina Teixeira, Júlia Martins, Risoleta, ou as Senhoritas Odette e Consuelo, cantando e exclamando alegremente canções e expressões de duplo sentido.


Essas composições, como se diziam na época, eram carregadas na pimenta.

Vamos à algumas delas!





Bahiano


O célebre e pioneiro Bahiano (Manuel Pedro dos Santos), não só gravou o primeiro disco no Brasil, como também deixou registradas as primeiras trovas alegres. Elas vinham ao lado de baladas românticas, modinhas, maxixes... muitas vezes utilizando esses ritmos para se camuflar.

Hoje, vamos conferir as seguintes músicas:

Não Empurre
A Pombinha de Lulu
Os Colarinhos
O Taco
O Açougueiro
Vai Entrando



Não Empurre

Cançoneta gravada em 1903
Disco Zon-O-Phone X-532




Tomei o bonde da Carris Urbanos
desses que vão até a Praça Onze
Mas, ao meu lado, dois olhos maganos
me perguntaram se eu era de bronze
Então, pra provar que eu não era
quis eu logo fazer coisa limpa
Pois, nesses casos, sou cuera,
sou mesmo supimpa.

- Isto de bolinagem é uma questão de sorte. Às vezes, a gente cutuca no pé de uma pequena... mas, é sem querer, né? Mas, anda tão caipora que, quando quando menos a pessoa atenta, ela está querendo nos desmoralizar. Mas, com esta, não se deu isso, porque na ocasião em que o bonde fazia uma curva, eu percebi, perdi o equilíbrio e cai por cima da pequena ao meu lado. Oh, ferro! E ela gostou mesmo, porque depois, me disse assim:

Não empurre, não empurre
seu Manduca
vê que assim me remói
Não empurre, não empurre
que machuca
Não empurre, assim
que dói...

Passou-se o caso na Cidade Nova
com uma viúva qual quer coisa Matos
De uma virtude rica, a toda prova
muito mais rica que os meus sapatos.
Um dia, uma longa viagem,
teve precisão de fazer
E preparava a bagagem
sem nada esquecer...

- Esta viúva estava preparando a bagagem para fazer uma viagem, mas na ocasião de fechar a mala que estava no quarto, ela não pode fazer. Chamou o primo para ajudar. Ora, o primo foi para o quarto e não prestou bem atenção no que ela disse,hein?  Foi subindo na mala desastradamente e empurrou a tampa da mala, e apertou o dedo dela sem querer. Agora, me diga uma coisa. O que é que não havia de pensar que estivesse na sala de jantar e ouvisse ela com o rapaz no quarto dizendo assim:

Não empurre, não empurre
seu Manduca
vê que assim me remói
Não empurre, não empurre
que machuca
Não empurre, assim
que dói...


A Pombinha de Lulu

Cançoneta de Costa Silva
Gravada em 1912
Disco Odeon Record 120.148, matriz XR-1692




A minha prima Lulu
Tinha um casal de pombinhos
Que no dia em que fez anos
Ganhara de seus padrinhos
O pombo todo branco
Era um primor, mui lindo
Eu, porém, gostava mais
- De que?
-Ora, ora
Da pombinha de Lulu
Eu, porém gostava mais
Da pombinha de Lulu
-Aí, malandro velho!

Quando a tarde ia brincar
No quintal, com a priminha
Quase sempre lhe pedia
Pra brincar com a pombinha
Mas o pombo, ciumento,
Ficava, então, jururu
Quando eu botava a mão
Na pombinha de Lulu
- Ah, seu malandro, hein!

Uma vez, um gato astuto
Da gaiola abrindo a porta
Mata o pombo e quase deixa
Também a pombinha morta
Nisso a prima chorando
Me disse
Oh, primo vês, tu
O gato quase matou
- O que?
A pombinha de Lulu
O gato quase matou
A pombinha de Lulu
- Ah, gato danado.
Seu tamanho ladrão!

Eu peguei na pombinha
E beijei-a tanto, tanto
Que lulu cobrindo o rosto
Desatou num longo pranto
Nisso a tia pergunta
- Que fazes, aí, Dudu?
- Tia, eu estava consolando.
- O que?
- Ora, ora.
A pombinha de Lulu.
Tia, eu estava consolando.
A pombinha de Lulu.


Os Colarinhos

Cançoneta gravada em 1913
Disco Odeon Record 108.530, matriz XR-1126





All right

Ora aqui, ora acolá
não sou hoje de veneta
Ando atrás de um menino
que me toque uma...

Pudera, não sou casado
Tal desejo não me engoda
Passo semanas inteiras
que eu não dou nenhuma...

Fora ladrões que me afobem
e por eles fui roubado
Fui à casa das pequenas
vim de lá todo...

Em galinhas,patos em marrecos
perdizes,lebre e o peru
Este prazer é bem bom
pra quem gosta de levar no...

Colarinho bem engomado
só na Rua do Sacramento
Quem for lá, nao sei se sabe
sai com grande...

Senta rapaziada
vamos todos pro trabalho
que eu fico em casa pra dar
umas injeções no...

Caramujo bem preparado
com boas formas à croquete
Quando como, tenho vontade
de fazer um bom...

Minerva deusa das artes,
ciências e sabedoria
Passave-se meses inteiros
que a deusa não...

Fumava um bom charuto
Charuto próprio das damas
Este prazer é bom
pra quem gosta de levar entre as...

Mamão, quero me casar
quero quero gozar o trabalho
Quero estar sempre ao abrigo
de experimentar um bom...

Cavalheiros, escutais
as minhas frazes tao xulas
Inda ontem no hospital
vi rasgarem duas...

Mulatinhas da Bahia
são formosas, não me engano
E depois desse xodó
muitas palmas pro Bahiano!

Bravo, bravo, bravo,
muito bem!

Então, isto né melhor do que quanta... quanto pedaço lírico há por aí, homem?!


O Taco

Cançoneta gravada em 1913
Disco Odeon Record 108.531, matriz XR-1127





Amo o jogo de bilhar
E por ele tenho um fraco
Muito sei carambolar
E sei por o giz no taco
A fazer as carambolas
sou um grande sabichão
Mexo muito com as bolas
tendo o taco, assim, na mão
Pelos jogos dou o cavaco
Com as mulheres tenho o dom
E não tiro mais o taco
se o bilhar da moça é bom

Ai, ai, ai
Qui, qui, ne, néri
Dou tacadas de revés
E jogando com mulheres,
seis ou cinco de uma vez
Sou moleque tão velhaco
No marfim dou jeito tal
Que o maldito do meu taco
só espirra no final

Bilhar é jogo velhaco
sabe a mulher que é travessa
O gosto que tem o taco
com muito giz na... na... cabeça...
Vai o taco, assim, direito
procurando perfurar
É preciso dar efeito
pra poder carambolar
Com as bolas encostadas
e a encarnada lá na frente
Dou muitíssimas tacadas
Fica o taco ainda quente

Viro tudo, ágil em tacos
Jogador, assim, não há
Quanto mais remexo o taco
mais a carambola dá

Sou moleque tão velhaco
No marfim dou jeito tal
Que o maldito do meu taco
só espirra no final

Bom sujeito modernista
é costume, salafrário,
por as bolas pela pista
com efeito no contrário
Muita vez o dito cujo
quando acaba de jogar
tá com o taco um pouco sujo
e ainda quer carambolar
É o que gosta muita gente
mas, eu, mesmo tenho birra
do gostinho que se sente
quando nosso taco espirra.

Mas, mulher que tem cavaco
quando joga com rapaz
gosta que ele espirre o taco
e se espirra, pede mais.
Sou moleque tão velhaco
No marfim dou jeito tal
Que o maldito do meu taco
só espirra no final


O Açougueiro

Cançoneta gravada em 1913
Disco Odeon Record 108.532




Ai, a vida do açougueiro
é pior que ado padeiro
É levada do diabo
do diabo
Vendo carne à toda gente
mas não há fregês doente
Mas, não há freguês doente
que queira levar o rabo.

Belos quartos dianteiros
e traseiros, tem a rês
Chega a noite
a carne, acabo
fica o rabo sem freguês.

- Olha! Quem quer 
um rabinho de boi
bem gostoso?!
- Ou de boi ou de vaca, meu amigo
aqui, não gostamos desta fruta!
- Bom, então, té logo!

Boa carne todo dia
pra servir à freguesia
Meu açougue é afamado, nomeado
Roubo em peso, sou completo
Tenho o fígado correto
Tenho o fígado correto
que não está acostemado

Belos quartos dianteiros
e traseiros, tem a rês
Chega a noite
a carne, acabo
fica o rabo sem freguês.

- Olha, um rabinho bom, hein!
Então, não queres te dar bem com um rabo?
Olha, que está bem lavadinho!
- Ora, vá saindo, meu amigo
não gostamos...
- Vá vender o rabo na esquina!
- Lá, não gostam desta fruta, oh!

Carne boa não tem osso
Carne ruim é a do pescoço
Mas, o quarto dianteiro
é o primeiro!
É da frente a melhor posta
Há, porém, gente que gosta
Há, porém, gente que gosta
de comer a do traseiro.

- Sai, porco!

Belos quartos dianteiros
e traseiros, tem a rês
Chega a noite
a carne, acabo
fica o rabo sem freguês.

-  Oh, os senhores olhem que o rabo
é um rabo que é, que é muito bom
Não há por aí nenhum freguês doente?
- Ora, vá saindo!

Dizem ser gostoso o rabo
ensopado com bom nabo
Acredito na piada
bem espaçada
Mas, não sei se por doença
minha sogra não dispensa
Minha sogra não dispensa
a pimenta na rabada.


Belos quartos dianteiros
e traseiros, tem a rês
Chega a noite
a carne, acabo
fica o rabo sem freguês.

- Olha, um rabinho gostoso!
Está na hora!
Está limpo que faz gosto!


Vai Entrando

Cançoneta gravada em 1913
Disco Odeon Record 108.535, matriz XR-1133




Um dia desses estava passeando
para matar o mês mais depressa
E ao passar, então, numa travessa
ouvi alguém dizer-me: vai entrando
Parando, então, pra trás olhei
e de um sobrado, na janela,
um morenão eu avistei
que pareceu-me ser mui bela

- Era, pois, feito uma morena bonita
que me tinha chamado para... para eu lhe cantar, hein.
É, cantar uma modinha.
Todos os versos de uma cançoneta
que ela tinha ouvido no fonógrafo
Eu que gosto de ser cortês
principalmente com as mulheres (né?)
perguntei-lhe qual era o número da casa
Então, ela, do sobrado,
apontava pra baixo e dizia assim:

Vai entrando
Vai entrando
Vai entrando
sem receio
Vai entrando
Vai entrando
nesta porta aqui
do meio.

E eu fui entrando
Oh, ferro
que porta gostosa!

Eu, sem demora,
entrei pela tal porta
E a escada subo mui ligeiro
Mas, estanquei aqui, no resposteiro
por ver na sala a luz
um tanto morta
Nisso, a morena aparecendo
aparecendo mui ligeira
Com voz amena foi me dizendo
o cavalheiro é muito meigo

Ora, eu fiquei acanhado
Palavra de honra!
Entrei na sala
Mas, vi a sala tão
ricamente mobiliada
que fiquei atrapalhado
Dirigi-me para um
gabinete próximo
Pousei o chapéu sobre uma cadeira
e fiquei vasculhando tudo o que devia fazer
Quando eu tava assim, meio atrapalhado
correu uma cortina
Então, a mulata do outro gabinete
dizia assim:

Vai entrando
Vai entrando
Vai entrando
sem receio
Vai entrando
Vai entrando
nesta porta aqui
do meio.

Deixando, então de ser tão acanhado
no gabinete entrei sem muito afã
e encontrei sentada em um divã
o morenão que tinha me chamado
Querido amor, lhe disse eu
Aqui me tens para assistir
Faça favor,me respondeu
de me cantar, pra divertir.

Eu não tive jeito de
não cantar a mulata.
Oh, quer dizer,
cantar pra a mulata ouvir
E não pude cantar direito
embora assim
eu só consiga solar e:

Vai entrando
Vai entrando
Vai entrando
sem receio
Vai entrando
Vai entrando
nesta porta aqui
do meio.

Eu fui entrando
e já sabe
Depois que entrei
eu saí
Eu fui-me embora
pra casa.









4 comentários:

  1. Gostei demais! Eu sabia da ousadia daquele tempo, mas nunca imaginei ouvir as canções e ver as letras das músicas. Obrigada por nos trazer este mundo das antigas para o nosso conhecimento. Adorei a última canção "Vai entrando"!

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  2. Magda!
    Sempre bom ter você por aqui!
    Ainda tem muita coisa bem "picante", ou como eles diziam: "carregada na pimenta"! ahaha

    ResponderExcluir
  3. Poderias fazer uma re-ppostagem pois não é possível mais ouvir os fonogramas.

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