Há 24 anos perdíamos uma das mais talentosas e queridas cantoras brasileiras, Sônia Carvalho.
Sua carreira iniciou na primeira metade da década de 1930, onde se apresentava acompanhando, ao piano ou violão, sua irmã, que cantava. Quando começou a cantar foi logo notada pelas rádios de São Paulo, onde nasceu. Seu cunhado, o locutor Celso Guimarães, a aconselhou ir ao Rio de Janeiro. Ela foi e passou a ser requisitada pelas emissoras cariocas. Já em 1934, o compositor André Filho foi o autor das duas músicas de seu primeiro disco. Ela alternava apresentações em São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1936, foi uma das cantoras convidadas a inaugurar a Rádio nacional do Rio de Janeiro, vindo de São Paulo especialmente para a ocasião.
No início de sua carreira, Sônia tinha muita influência do estilo de Carmen Miranda, de quem era fã. Com o passar do tempo adquiriu um estilo próprio, mas, sempre que queria, mesmo quando já era uma senhora, com filhos crescidos, ela imitava com perfeição a Pequena Notável.
Sônia Carvalho fez parte das grandes cantoras dos anos 30. Na década de 1970, ela concedeu uma entrevista ao pesquisador Nirez, onde falava de sua vida, carreira e colegas. Nessa ocasião, contou que em algumas de suas gravações, estavam no coro Aracy de Almeida, Orlando Silva e Francisco Alves, que estavam também no estúdio gravando músicas e tomavam parte no coro uns dos outros por pura amizade. Aliá, uma das músicas preferidas de Francisco Alves era do repertório dela. Sempre que ele via Sônia, dizia:
Olha aí a garota que gravou A infelicidade me persegue!
Sua popularidade a levou ser eleita duas vezes Rainha do Rádio Paulistano.
Também apresentou programas infantis de calouros, onde descobriu a cantora Marion.
Ela abandonou sua carreira por ter-se casado, como ela mesmo afirmava. Dedicou-se a sua família, mas, sempre estava ligada à música, no que era acompanhada por seu filho Roberto.
Vamos conferir algumas de suas músicas. Do lirismo romântico e inocente de
Beijos ao nostálgico e sentimental
Eu vivia no morro, um pouco da versatilidade de Sônia Carvalho.
Beijos
Primeira gravação de Sônia Carvalho
Marcha de André Filho
Disco Odeon 11.176-A, matriz 4918
Gravado em 21 de setembro de 1934, lançado em dezembro desse mesmo ano.
Beijos, sensuais e tentadores
Sonho azul dos namorados
que vivem de amores
(repetindo a melodia desses beijos)
Se dar beijos e pecado
eu já pequei
Pois beijei o meu amor
Numa noite de luar
enquanto a lua enchia a terra de esplendor
Nos lábios do meu amor,
perdão Senhor,
muitos beijos dei também.
E pra não perder o gosto
desses beijos
nunca mais beijei ninguém.
A infelicidade me persegue
Samba de Assis Valente
Disco Victor 34.014-A, matriz 80032-1
Acompanhamento do Conjunto Regional RCA Victor
Gravado em 06 de dezembro de 1935, lançado em janeiro de 1936.
A infelicidade me persegue
sou infeliz, eu bem sei
Toda a amizade que eu tinha
foi-se embora
Abandonada fiquei
Morreu a minha esperança
Morreu o meu amor
Fiquei com a desventura
chorando a minha dor
Fiquei com a desventura
Fiquei sem meu amor
Fiquei com a desventura
do meu primeiro amor
Você quer se ver livre desse mundo
Samba de Assis Valente e Roberto Azevedo
Disco Victor 34.055-A, matriz 80075-1
Acompanhamento do Conjunto Regional RCA Victor
Gravado em 06 de dezembro de 1935, lançado em maio de 1936.
Você quer se ver livre desse mundo
Veneno você quer tomar
(Ora, meu bem)
Mas esse seu pensamento
é coisa de momento
Se ainda não mudou
vai mudar
Se o seu mal é de amor
Procure se esquecer
Faça o possível, seja como for
Nos um dia temos de morrer
Pra quê?
Isso tem de se acabar
Pois tudo que começa
algum dia tem de terminar
Há tanta alegria no viver
Pra quê?
Eu vivia no morro
Samba de Assis Valente
Disco Victor 34.055-B, matriz 80076-1
Acompanhamento do Conjunto Regional RCA Victor
Gravado em 06 de dezembro de 1935, lançado em maio de 1936.
Eu vivia no morro
cantando e sambando
Ao som do lamento
do meu violão
Mas, um dia,´(não sei pra quê)
vim pra cidade
Hoje vivo chorando
em vão
a minha saudade
Porque um dia, indiferente
abandonei a minha gente
Eu não sabia que na cidade
só tem mentira e falsidade
Hoje, eu ando martirizada, abandonada
Meu Deus, sem ter ninguém
Meu coração vive a penar
Ai, quem me dera poder voltar
Metamorfose
Batuque de Hudson Gaia, o Petit
Dico Victor 34.073-B, matriz 80074-1
Acompanhamento do Conjunto Regional RCA Victor
Gravado em 06 de dezembro de 1935, lançado em julho de 1936.
Eu vou na frente
vou batendo o tamborim
Vocês vem atras
mas fazendo o coro pra mim
Não faz mal que todos falem
que eu não sei bater pandeiro
O que eu não quero é que acabem
com o samba brasileiro
Vai tomando, as coisas, jeito
em geral e pequenina
Pois a valsa, hoje,
é um perfeito foxtrot fantasia
A mazurca, hoje é rancheira
O maxixe virou rumba
Parece até brincadeira
São coisas da macumba
Mesmo a xótis foi esquecida
Dando ao tango o seu lugar
Era a dança preferida
Hoje, ninguém quer dançar
Até a valsa comportada
sumiu como tudo some
Qualquer dia, disfarçada
aparece com outro nome
Vou fazer uma macumba
e acender uma vela
Pra evitar que nosso samba
inda vire em tarantela
Deve ser o meu amor
Batucada de Ary Barroso
Disco Victor 34.022-B, matriz 80072-1
Acompanhamento dos Diabos do Céu, sob a direção de Pixinguinha
Gravado em 06 de janeiro de 1936 e lançado nesse mesmo ano.
Ouço a batida de um tambor
E o compasso de um pandeiro
Deve ser o meu amor
Batucando no terreiro
(oi, batucando no terreiro)
Meu amor quando samba
ninguém dá opinião
Tem diploma de bamba
poe os pés no coração
(meu Deus do céu)
Ele é meu, de mais ninguém
e eu dele também
E assim o nosso amor
não tem fim.
Agradecimento ao Arquivo Nirez