O cenário musical dos anos 30 foi, sem dúvida, um dos mais ricos de todos os
tempos. Até hoje encontramos fãs de artistas que começaram suas carreiras nessa
longínqua década. Porém, na formação dessa riqueza também tomaram parte alguns
artistas que tiveram participações meteóricas, seja no disco, rádio, teatro.
Mesmo tendo uma curta carreira na música, muitos deles deixaram sua marca e o
gostinho da saudade em seus admiradores.
Alguns
saíram de cena por motivos pessoais, como o casamento ou um emprego mais
estável, já outros se retiraram pelo fato de suas jovens vidas terem chegado ao
fim.
Assim
aconteceu com a cantora CARMEN BARBOSA.
Ela
foi, sem dúvida, uma das melhores sambistas que já conhecemos, dona de bonita
voz e dicção perfeita. Carmen Barbosa tinha toda a bossa para interpretar
sambas e marchas.
Infelizmente,
ela faleceu em 03 de setembro, no ano de 1942, vitimada pelo diabetes.
Pouco
antes, havia amputado uma perna.
E
querem saber o que e mais irônico e incomum de tudo isso? No dia seguinte seria
seu aniversário. Pois é... Ela se enterrou no dia em que estaria completando
trinta anos, em 04 de setembro de 1942.
Enfim,
a vida tem desses mistérios.
O artigo que escrevi foi baseado em minhas pesquisas e também nas pesquisas da
jornalista e pesquisadora musical Thais Matarazzo e no acervo do Arquivo Nirez.
Carmen
Barbosa nasceu no Rio de Janeiro, no bairro do Catumbi, em 04 de setembro de
1912.
Tinha
sete irmãs. De família humilde, com uma ótima voz, desde criança gostava de
cantar.
Ela
era uma moça reservada, que não gostava muito de se expor à publicidade, mesmo
quando estava fazendo sucesso.
Sua
carreira teve início em 1932. Devido à sua boa voz, passou a fazer parte do
coro nas gravações de Carmen Miranda, na Victor.
Ela
começou no rádio em 01 de dezembro 1934, na Rádio Cruzeiro do Sul, indo depois
para a Rádio Tupi.
Sua
oportunidade surgiu em 23 de dezembro de 1934, quando foi chamada a substituir
a cantora Madelou de Assis, que havia faltado um programa de rádio por estar
doente.
Do
rádio para o disco foi um caminho natural.
Estreou
na gravadora Columbia com o pé direito, interpretando dois sambas da autoria de
Pixinguinha e Cícero de Almeida , o Baiano (não confundir com o cantor da Casa
Edison). Gravou também alguns discos na Victor e um na Odeon. Entre os
compositores que gravou, só havia bambas: Herivelto Martins, Buci Moreira,
Roberto Martins, Zé Pretinho, Benedito Lacerda, só para citar alguns
Aliás,
Benedito Lacerda foi seu amigo e grande incentivador, compondo várias músicas
para ela e acompanhando suas gravações com sua flauta.
Ao
todo, ela gravou 27 músicas em 14 discos.
Com
seu talento para o samba e bonita voz, Carmen Barbosa conseguiu vencer sozinha.
Em suas gravações era afinada, sabia colocar sua personalidade e a malícia
necessária, caso a música pedisse.
Bonita,
era morena, cabelos negros, olhos castanhos escuros, pesava 56 quilos, medindo
1,58 metros. Em algumas reportagens era citada como a Estrela Morena.
Atuou
também na Rádio Club, onde ficou até seu falecimento.
No
rádio, tinha como colegas, Sônia Barreto, Trio de Ouro, Francisco Alves, Gastão
Formenti, Noel Rosa, Antenógenes Silva, Sylvinha Mello, entre outros cartazes.
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Na Rádio Tupi, anos 30. A foto foi publicada na Revista do Rádio de setembro de 1948, em matéria que relembrava artistas dos anos 30. |
Em
30 de dezembro de 1939, não pode comparecer ao evento organizado pela Rádio
Clube, por estar adoentada. Dircinha Batista, que iria se apresentar, cantou
também as músicas de Carmen.
Em 1940, ainda estava adoentada, vítima do diabetes, mesmo assim continuou
cantando no rádio.
Em setembro desse mesmo ano, fez uma temporada em São Paulo, nas Rádios Cosmo e
Cruzeiro do Sul, ao lado de Elisa Coelho e Orlando Silva.
No intervalo entre 1940 e 1941, passou a cantar esporadicamente.
Desde o final de 1941 e ainda no primeiro semestre de 1942, a imprensa soltava
notícias e reportagens esperançosas, afirmando que ela voltaria em breve ao
microfone da Rádio Clube.
Mas, a doença lhe impossibilitava de trabalhar.
Doente, esquecida e sem condições de se tratar, foi encontrada em sua casa pelo
humorista Barbosa Junior, que mobilizou a classe artística no intuito de
ajudá-la, já que ela se encontrava em dificuldades financeiras.
O jornal Diário da Noite sempre esteve ao lado de Carmen Barbosa durante sua
enfermidade.
Estampou com alegria o fato de que ela, mesmo afastada, tencionava voltar ao
rádio.
"Com saúde a vida é outra coisa. E estou louquinha para voltar ao
microfone. Quero cantar muito. Voltar a me corresponder com meus fãs. Não
imagina o Diário da Noite as saudades que eu tenho sentido da cadência do
samba. Dessa cadência que é como bater do grande relógio da existência,
marcando a vida da gente. quando esse relógio não trabalha, como que não
vivemos.", afirmava a cantora.
Suas amarguras e saudades eram disfarçadas sob seu sorriso franco, cheio de
vivacidade.
"Para que chorar? Sorrindo a gente esquece. E esquecer é uma
maravilha.", ainda ensinava Carmen.
O Diário da Noite também exprimia a revolta de seus editores durante o agravo
da enfermidade da cantora. Chegou a ajudá-la financeiramente, na pessoa de
alguns colaboradores. Carmen também recebeu a solidariedade de uns poucos
amigos. Segundo o jornal, ela estava esquecida. A maioria dos que a aplaudiram
quando estava no apogeu havia desaparecido. Entre os artistas que se
emprenharam em ajudá-la, o jornal citava Moreira da Silva e Benedito Lacerda,
que organizavam um espetáculo em benefício da cantora.
Em agosto de 1942, Carmen Barbosa precisou amputar uma de suas pernas. Isso só
agravou seu estado. Os colegas chegaram a providenciar uma perna mecânica, mas,
o tempo para Carmen estava se extinguindo. Ela não chegou a usar a prótese.
Na época de seu falecimento, Carmen Barbosa era contratada da Rádio Club (ou
Clube). O diretor Renato Murce chegou a se defender (e a própria Rádio) das
acusações do jornal em 02 de setembro de 1942.
No dia seguinte, 03 de setembro de 1942, uma quinta feira, Carmen Barbosa
falecia.
Ela foi sepultada no dia seguinte, 04 de setembro de 1942, o mesmo dia de seu
aniversário onde completaria 30 anos.
Ela foi uma pessoa que, mesmo esquecida por uns, despertou o sentimento de
pesar em quem menos era de se esperar. Foi o caso do Jornal do Brasil que, em
27 de setembro de 1942, quase um mês após o falecimento da cantora, emitiu uma
nota onde afirmava não gostar do samba e de seus intérpretes, mas se compadecia
do drama de Carmen Barbosa. Ainda expunha o fato dela ter morrido em extrema
pobreza e esquecida pela maioria dos colegas. Segundo o jornal, as pessoas que
se dedicavam aos gêneros populares, como o samba de morro, eram
"egoístas" e "desunidas".
É preciso lembrar que alguns artistas, pessoas que se dedicavam ao gênero
popular e aos sambas de morro, também se empenharam em ajudá-la. Nem todos
foram egoístas ou desunidos.
A expectativa da volta após uma melhora na saúde
Notícias do jornal DIÁRIO DA NOITE sobre a enfermidade de CARMEN BARBOSA
11 de abril de 1942
17 de julho de 1942
05 de agosto de 1942
12 de agosto de 1942
21 de agosto de 1942
01 de setembro de 1942
02 de setembro de 1942
05 de setembro de 1942
(na verdade Carmen faleceu no dia 03, e não no 04 como dá a entender a reportagem.
Ela fazia aniversário em 04 de setembro).
07 de setembro de 1942
09 de setembro de 1942
Outros periódicos
A NOITE
04 de setembro de 1942
10 de setembro de 1942