Há 36
anos falecia a grande atriz-cantora ARACY CÔRTES.
Zilda de
Carvalho Espíndola nasceu no Rio de Janeiro em 31 de março de 1904, na rua do
Matoso, perto da Praça da Bandeira. Era filha de Argemira Carvalho Espíndola e
Carlos Espíndola. Ela diria tempos depois: “Sou uma mestiça terrível: filha de
brasileiro com espanhol e neta de paraguaio”. Carlos era filho de espanhol com
paraguaia e Argemira era filha de português com brasileira. O casal teve dois
filhos antes de Zilda: Silvino e Dalva.
Ainda menina,
ela iria com a família morar no Catumbi, na rua Magalhães, onde seria vizinha
da família Rocha Viana, que reunia os amigos para rodas de choro e muita música
brasileira. Um dos filhos dessa família seria Pixinguinha, amigo de infância de
Zilda e seus irmãos. Nas rodas de música, comandada por Alfredo, pai de Pixinguinha,
os filhos tomavam parte tocando instrumentos, inclusive o amigo Carlos
Espíndola, que também era flautista, admirador de Joaquim Callado. No meio da
roda, duas meninas acompanhavam o ritmo, dançando: Dalva e Zilda.
Segundo
Roberto Ruiz, biógrafo de Aracy Côrtes, em criança, seu pai exigiu que ela
estudasse: o ginasial, datilografia, francês e inglês. Carlos aprendera a tocar
flauta com o mestre João Salgado, ensinando à filha uma rica musicalidade. Um
dia, ela chegou com a novidade: havia sido convidada para atuar no grupo amador
Filhos de Talma.
Nessa época,
os grupos amadores tinham grande importância, revelando vários talentos. Os
Filhos de Talma estavam entre os mais prestigiados, com um pequeno palco na rua
do Propósito, na Saúde. A jovem Zilda ficaria pouco tempo neste grupo. Foi
depois para o Circo Spinelli, onde brilhava o célebre Benjamin de Oliveira.
Aos dezesseis
anos de idade, em 1920, ela estreava no circo. Porém, mesmo dizendo ter
bastante experiencia, ao encarar uma grande plateia, a jovem se assustou e
ficou paralisada, com a orquestra esperando-a começar a cantar, então...
desmaiou. Recebendo uma nova chance, não decepcionou, cantou como sabia, o
público gostou e pediu que ela repetisse.
Zilda gostava
de ser chamada artisticamente como Zilda mesmo. E assim ela
passou a participar da Companhia Arruda, dirigida por Genésio Arruda,
especializado em tipos caipiras. Porém, seu amigo de infância Otávio Viana, o
China, irmão de Pixinguinha (e segundo Roberto Ruiz, compadre de Argemira, mãe
de Zilda), pensava o contrário: não era um nome muito artístico. Ele e o
crítico teatral Mário Magalhães conversavam sobre isso, na redação do jornal A
Noite, pois China e Pixinguinha agora tinham um novo grupo, os Oito
Batutas, e precisavam de uma cantora para acompanha-los nas apresentações.
China havia sugerido Zilda, mas ambos estavam de acordo com a substituição de
seu nome artístico.
Depois de
pensarem muito, decidiram que um nome bem brasileiro seria Aracy,
mas Aracy de quê? Após muito discutirem e não encontrarem solução (a essa
altura, até o secretário do jornal, Silva Ramos, participava da conversa),
entrou da rua, muito agitado com uma notícia urgente, um repórter policial. Na
mesma hora, Mário Magalhães pulou da cadeira e gritou:
- Côrtes, meu
velho! Você veio na hora certa!
O repórter
Côrtes não entendeu nada. Silva Ramos soltou uma gargalhada e, segundo ainda
Roberto Ruiz, Mário Magalhães virou-se para China, dizendo:
- Está aí, seu
China! Está aí o novo nome da moça!
Assim, Zilda
ia desaparecendo do cenário artístico, surgindo Aracy Côrtes.
Porém, não
pensem que foi uma mudança fácil. De início Zilda não aceitou o novo nome e,
para completar, havia uma Aracy Côrtes, professora conhecida no cenário da
educação do Rio de Janeiro na época. A professora Aracy Côrtes também ficou
irritada, achando que queriam desmoralizá-la.
Aracy Côrtes
(a artista) relembraria o fato já idosa: “... quem me arranjou esse nome foi o
Mário Magalhães, de A Noite e eu não queria pseudônimo. Só Zilda estava bom,
ficava mais cartaz. De repente, me aparece esse Araci Cortes (sic) que eu nem
sabia quem era. Resultou que era uma inimiga pavorosa, uma professora que achou
que eu tinha feito de propósito para achincalhá-la. Mas por quê? A arte é
uma missão divina. Enquanto às vezes o meu lar está de luto, o de você está
alegre por causa da minha pessoa. De qualquer maneira pegou e ficou Araci
Cortes (sic)” (RUIZ, 1984, p.26).
Mas, aos
poucos Zilda foi aceitando. Não sem antes fazer uma experiência e se apresentar
com os Oito Batutas como Zilda Côrtes.
Seria
como Zilda Côrtes que ela faria sua estreia no teatro, em 15
de outubro de 1921 na burleta Na casa da Chica do Velho, onde
interpretava Chica. O resto do elenco era interpretado pelos
integrantes dos Oito Batutas e outros artistas: Mané Piqueno
(Galleguinho), Octavio Vianna (Bolacha), José de Lima (Juca Ficha), Ernesto dos
Santos (Porfirio Grosso), João Thomaz (Pinga-Fogo), Alfredo Santos (Pé Leve),
Nelson Alves (Cambucá), Sizenando de Oliveira (Pendenga), José Monteiro (Boa
Vida).
O teatro era o
Polytheama Meyer, onde o grupo fazia apresentações. Em 22 de outubro,
apresentavam a mesma peça no Theatro Eden.
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Zilda Côrtes ao lado dos Oito Batutas em Na casa da Chica do Velho. A Noite, 15 de outubro de 1921, p.5. http://memoria.bn.br |
Com seu novo nome
artístico Aracy Côrtes, Zilda estrearia no Teatro de Revista em 31 de dezembro de
1921, um sábado, na revista Nós, Pelas Costas. Levada à cena no Theatro Recreio, a peça era da
autoria de J. Praxedes, com música do maestro Pedro de Sá Pereira. Os jornais
anunciavam que o empresário e ator João de Deus havia contratado para estrearem
no espetáculo os artistas A. Vidal e Aracy Côrtes. Ela interpretaria os
personagens: Guitarra Falsa, Rosa Branca e Vinho do Porto. Nessa peça também estava a atriz Célia Zenatti
que, em breve, seria esposa do (então) iniciante cantor e ator Francisco Alves.
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Correio da Manhã, 28 de dezembro de 1921, p. 05 http://memoria.bn.br/ |
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O Paiz, 29 de dezembro de 1921, p. 07 http://memoria.bn.br/ |
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O Paiz, 30 de dezembro de 1921, p. 12. http://memoria.bn.br/ |
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O Paiz, 31 de dezembro de 1921, p. 05. http://memoria.bn.br/ |
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Correio da Manhã, 31 de dezembro de 1921 http://memoria.bn.br/ |
A próxima revista em que
Aracy Côrtes tomaria parte estreou em 19 de janeiro de 1922 e se chamava Ver, Ouvir e Callar... Com o passar dos anos, ela ia se
aprimorando, ganhando mais visibilidade e fazendo sucesso junto ao público e à
crítica teatral. Nos anos 20, sua irmã Dalva Espíndola também seria atriz,
atuando na famosa Companhia Negra de Revistas, onde lançou o famoso maxixe de
Sebastião Cirino, Cristo Nasceu na Bahia, em 1926.
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ARACY CÔRTES Illustração Moderna, 1924 http://memoria.bn.br/ |
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Illustração Moderna, 1924 http://memoria.bn.br/ |
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Illustração Moderna, 1924 http://memoria.bn.br/ |
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Illustração Moderna, 1924 http://memoria.bn.br/ |
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Illustração Moderna, 1925 http://memoria.bn.br/ |
Em 1925, Aracy
Côrtes fez suas primeiras gravações em discos mecânicos pela Casa Edison, em
selo Odeon Record. Ela registrou A Casinha (da Colina), de Pedro de
Sá Pereira; Serenata, de E. Toselli e Petropolitana,
canção de Adalberto de Carvalho, que a famosa atriz-cantora Pepa Delgado havia
lançado 10 anos antes. Voltaria a gravar, agora no processo elétrico, em 1928,
lançado sucessos como Chora Violão, de Josué de Barros; Baianinha,
de De Chocolat e Oscar Mota; Jura!..., de Sinhô (José Barbosa da
Silva) e Yayá (Linda Flor), de Henrique Vogeler, Marques Porto e
Luiz Peixoto, todas em selo Parlophon. Gravaria ainda na Brunswick e na Odeon
até, aproximadamente, 1934, voltando a gravar nos anos 50 e 60.
Da segunda
metade da década de 1920 em diante, Aracy Côrtes dominaria a cena do Teatro de
Revista na Praça Tiradentes, sendo considerada uma de suas mais queridas
Rainhas. Lançou diversos compositores como Noel Rosa, Ary Barroso, Assis
Valente, entre outros, brilhando até o começo da década de 1940, quando se
afastou dos palcos por alguns anos.
Retornaria em
algumas aparições na década de 1950 e, com muito sucesso, em 1965 no
espetáculo Rosa de Ouro, ao lado de Elton Medeiros e Paulinho da
Viola, onde estreava Clementina de Jesus.
Ao longo dos
próximos anos, Aracy Côrtes foi sendo esquecida pela grande mídia, fazendo
poucos shows e enfrentando dificuldades financeiras, sendo amparada por amigos
fiéis e dedicados como J. Maia e a cantora Marília Barbosa, que Aracy declarou
sua sucessora e herdeira artística. As duas cantariam juntas em um memorável
show na Funarte em 1984, celebrando os 80 anos de vida de Aracy.
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Livro Araci Cortes - Linda Flor de Roberto Ruiz Lançado pela Funarte por ocasião dos 80 anos de Aracy Côrtes, em 1984 Arquivo Marcelo Bonavides |
Aracy Côrtes canta Ai, Yoyô aos 80 anos de idade
Aracy Côrtes faleceu no Rio de Janeiro em 08 de janeiro de 1985, aos 80 anos de idade.
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